segunda-feira, 16 de julho de 2012

Gripe & mortes: as febres que nos protejam


Escrevo com pretensão de oportunidade.

Essa questão de mortes por gripe, de qualquer tipo, de A a Z, é de preocupar e angustiar a todos. Mas talvez possamos enxergar nesse cenário de Gripe A uma espécie de transição nos modelos que conformam atualmente a visão de saúde-doença. 

Inicialmente, essa fúria classificatória com algarismos e letras para tais e quais "seres" que, de alguma forma, contribuem com o adoecimento e morte das gentes têm sido pouco para ajudar a aplacar o sofrimento de quem precisa. Isso foi interessante antigamente. Neste momento, insuficiente. Talvez inútil ou, no limite, lesivo.

Os socorristass estão "tratando" os quadros gripais com o padrão de quem está sem Norte: ATB + corticóide (pau pra toda obra, quando não se tem outra arma à mão). Uso o termo arma porque revela a forma beligerante de ver crescimentos oportunistas como bandidos e nós, médicos e drogas, como mocinhos. Repito: se foi assim necessário em outros momentos de predomínio de doenças infecto-contagiosas, hoje é supérfluo ou lesivo, mesmo tratando-se, neste caso, de "virose".

Se esta minha especulação pretensiosa for adequada, ou seja, que ver virus e bactérias como monstros destrutivos de forma maniqueista não dá mais conta, poderíamos especular mais: 
  • Será que, digamos, o uso de antitérmicos indiscriminadamente(sem o mínimo estudo de longo prazo sobre consequencias para o sistema imunológico), como se faz hoje em TODOS os serviços, não é um contribuinte para vulnerabilizar mais as pessoas (já que a manutenção de temperaturas elevadas reduziria drasticamente a replicação viral)? ESTOU ME REFERINDO AOS EFEITOS TERAPÊUTICOS DA FEBRE. Pacientes internados em UTI sem uso de antitérmico tiveram menor mortalidade que aqueles que usaram antitérmico... Vejam um trecho de um artigo da  Crit Care Resusc. 2011 Jun;13(2):125-31 "...At febrile temperatures, direct inhibition of heat-sensitive microorganisms, such as influenza virus4 and Streptococcus pneumoniae, can occur; as can the induction of protective cellular6 and immune responses. Increased antibiotic activity at elevated temperatures has also been demonstrated in vitro. In animal studies, suppression of fever with antipyretic drug therapy has been shown to increase mortality among subjects with viral, bacterial and parasitic infections.

    Observational studies of humans have shown a positive correlation between febrile temperature during bacteraemia and survival and hypothermia as a manifestation of
    sepsis is a negative predictor of outcome. In other human studies, antipyretic drugs have been shown to increase the duration of chickenpox illness..."

  • E por que antibióticos? Se for a lesão pulmonar dramática causada pelo H1N1 (mesmo que rara é horrivel)que mata, então o paciente não morre pela bactéria e sim pelo virus, portanto antibiótico é inútil. E, em saúde, não ha inocuidade: se não é útil é danoso. Os abusos de antibioticoterapia só servem para reduzir ainda mais a tensão-imunológica (para cada germe, um cenário correspondente de resposta) necessária para nosso equilíbrio.
Assim, chegamos a um ponto em que a discussão teria que se dar na mesa dos pesquisadores dos níveis de atenção secundário e terciário (especialistas e hospitais universitários). Mas, escrevo isto tudo pra dizer que nós da Medicina de Família e Comunidade podemos, sim, contribuir com as buscas de recursos para dar conta deste, digamos, tsunami. E essa contribuição se dá convidando os colegas dos outros níveis de atenção para sairem de seus microscópios e tubos de ensaio e virem observar e cuidar dos pacientes de forma desarmada, interrogando esses pacientes sobre seus reais sofrimentos, acolhendo-os, investindo nas defesas do próprio organismo e utilizando os recursos que, de alguma forma, não estejam tão profundamente implicados na ordem do mercado.

Não vou discutir exatamente tratamento da gripe A, porque, justamente discordo dessas classificações iluministas que ocultam o ser e ignoram o contexto eco-social. Porque a discussão, me parece, deve se dar sobre o mérito das abordagens, escapando dessa visão unifocal que tudo objetifica, não sendo capaz de discutir-se a si mesmo.

Vamos ousar descobrir furos nesse descaminho biomecânico que deu o que tinha que dar?

Ou vamos nos proteger com Oseltamivir, vacinas e mais artefatos que se vendem no varejo, mas que não nos ajuda a enxergar o singular de cada um, as respostas inexoráveis da Natureza?

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