quinta-feira, 9 de julho de 2015


09 de Julho de 2015 - Sem ponto-de-amarração, sem pertencimento. Ou, porque a hiperatividade está inserida no nosso contexto.

Um pai, mirando seu filho de 6 anos e tres meses, esboçou um "Essa turminha de agora não tem ética, não é". O menino atualmente faz uso de Ritalina: o coordenador da escola pediu que os pais "tratassem" o aluno após ele desferir um soco na professora, uma das últimas pessoas que ainda toleravam as grosserias do inquieto pentelho e mantinham algum tipo de vinculo.
Me parece que as gentes precisam se sentir cidadãos. Sentir que pertencem. Identificados com alguns pontos deste mundo de cheiros, cores, sons, afetos, eventos e lembranças. Sensações e informações.
Ja conforme vão chegando por esta terra, vão querendo criar os referenciais, amarrando suas cordinhas no mundo pra se identificarem. Devagarinho se estendendo como identidade com as outras gentes e coisas.
Com essas instancias primeiras, que vão reconhecendo (desde que elas, as instancias, se afirmem redundante, rítmica e persistentemente) como se tudo fosse teta. Como se tudo fosse mãe. Tudo fosse casa a receber o chegado pra se assemelhar.
E bem devagarinho. Que a gente chega ressabiado e estranhando o que, por ser nunca-visto, de fato é estranho. E deveria ser acolhimento - desde que esse nunca-visto, se afirme redundante, rítmica e persistentemente.
Amarramos uns cheiros, luzes e sons aqui e, se repetirem ritmicamente, essas sensações nos fazem parte. Nos identificam e nos suportam. São extensões de nós. São nós. Então nós pertencemos e nos pertencem.
Quando - por ficar mudando o tempo todo, ou por não ser morno, terno e macio - não conseguimos amarrar o barco em algum ponto de amarração que possa dar algum traço de identificação, por Dios!, não firmamos esse espaldar da nossa identidade primeira. Vamos ficar girando doidinhos.
Ficamos com múltiplas simulações de um cenário em que não conseguimos parar pra nos enxergar como cidadão de lá. Tirar a carteirinha da identificação com aquele cantinho da existência mais grande.
Então a gente se inquieta. Se agita sem fim em busca de um sinal de pertença. Um agito desesperado, que gira e não para. Uma atividade hiperativa.
Será que por isso a palavra ética (ethos) em grego se assemelha a hábito, costume e, curiosamente, o lugar onde se vive, onde se habita? (O hábito neste contexto é aquele que adestra-nos contra o instinto). Porque a gente habita mesmo é dentro de nossos pertencimentos que nos referenciaram sempre.
Acho que o pentelho, cujo pai perguntou-se se o filho não tinha ética, de fato não teve chance de ter sua habitação, seu cantinho de identificação fixa. Constatei junto com os pais, que ele nunca pode estabelecer os referenciais de amarração repetidamente (pra se habituar, se acostumar) para se sentir acolhido em uma morada, em uma habitação. Ele, o veloz pentelho, não encontrou uma ethos.

Então, de fato, ele não era ético.

Talvez, por não se sentir pertencente e se reconhecer no mundo, se agite em desespero e hiperatividade buscando sua ethos. Eu, faria bem pior.
Vamos dar Ritalina ou tratar o contexto?